segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Por vezes tenho a ligeira impressão de que o rumo que a minha vida levou me obrigou a especializar-me no papel de saco de pancada. Um saco de pancada coberto de belos e finos diamantes, é certo, mas ainda assim um saco de pancada.
(Eu, férias de verão em Milão, 1594)
Noto, com entusiasmo, que finalmente começa a haver videojogos que eduquem as sensibilidades da pequenada. Só é pena ser on ice.
Todos os domingos é a mesma coisa. Deito-me cedo, para cedo me erguer, mas não consigo. Horas volvidas desde o início do sono, e já acordei. Pulo da seda dos meus lençóis e começo o meu ritual de beleza. A excitação de um novo dia, uma nova possibilidade (que é uma certeza) de brilhar. Há que estar no meu melhor, não há outra forma de viver uma segunda-feira. Pesam-me as pálpebras, mas o meu corpo flutua.

domingo, 29 de novembro de 2009

Pisco o olho, simplesmente, e eles caem-me aos pés. Tivesse sido rei de Portugal, e seria Adriano, o adorado. Uma mancha de homens estende-se para lá do infinito, todos rentes ao chão, em posição de quem reverencia. Sou monarca, o meu poder é absoluto, e tenho uma eternidade para escolher o melhor espécime. Mas uma eternidade é demasiado tempo, querido. Esta noite fico com aquele ali.
Se existem duas coisas que a minha suave boca nunca vai dizer, uma é "Eu fiz de tudo, fiz de tudo, fiz de tudo por ele!" e a outra é "Sei quando me dar por vencido." Ah, meus queridos, no dia em que vocês me ouvirem falando uma dessas coisas, podem invadir a minha casa, quebrar meus vidros de perfume no chão, jogar minhas dezenas de pares de sapato pela janela, chamar a polícia e dizer que a fera está solta na cidade.
O meu amigo fez, com o cigarro, um buraco na minha camisa roxa. Fiquei passado. Num pranto raivoso, atirei-me a ele, mas acabámos no chão, fazendo amor.

sábado, 28 de novembro de 2009

Há certas pessoas que não compreendem que sou diva, mas não divã.
Não despi o pijama, hoje. Limitei-me a arrastar a minha beleza lânguida pelas divisões da mansão. Uma casa grande, como sabes, é ainda maior e mais triste, se não tiveres alguém belo e grande com quem partilhá-la. Pois é, estou só, eu mais os meus produtos de beleza, meus casacos de vison, meus vibradores rosa. Pôr-me bonito? Para quem? Oh, mas que digo? Como, «para quem»? Onde está o respeito por mim próprio, a dignidade? Onde os deixei, onde os perdi? Reconheço que o caminho tem sido árduo, mas não raras vezes saio por cima. Não, arrisco dizer que saio sempre por cima. Porque como eu não há igual. E no entanto, mesmo sabendo que sou rainha indiscutível deste meu universo sensual e sinuoso, estou melancólico.
We are after the same rainbow's end
Waiting round the bend
My huckleberry friend
Moon river
And me.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Acabei de depilar as axilas.
Quando a nossa relação acabou, eu não chorei. Limitei-me a voltar para casa, sozinho, e a passar a noite em claro, pensando, mais o copo de whisky, junto da janela.
Semanas passaram, e por vezes ainda penso nele. O seu silêncio, desde então, dilacera-me. Como ousou arriscar o silêncio, após o adeus? Como ousou viver sem mim?
Penso. Que estará ele a fazer, neste momento? Certamente sozinho, que ninguém o quereria, a não ser eu. No fundo, fiz-lhe um favor. Terá consciência disso?
Pensará em mim?

O telemóvel toca, e reconheço o número. O nome já não aparece, porque a primeira coisa que fiz, semanas antes, foi apagá-lo da minha lista. Estou a ouvir a Cry me a river. Subo o volume e atendo a chamada, oiço «estou só, preciso de ti», mas nada digo. Julie London canta
Now you say you're lonely
You cry the whole night through
Well, you can cry me a river, cry me a river
I cried a river over you.
Acordei, ou melhor, estreei. Todos os dias são uma estréia, um novo filme, um novo amor de derrubar pontes. Acordei com os olhos inchados - resquícios de um filme passado -, um cordão de diamantes à la Elizabeth Taylor. O que falta para que o grande espetáculo comece? Oh, agora vejo, agora estou certo, já o posso sentir com minhas mãos: meu casaco de peles, o complemento perfeito de um corpo sem pêlos, agora já sinto todas as energias. Que venham as câmeras.
Recuso-me a ouvir o novo álbum da PJ Harvey. Explico-me: ela está fazendo os shows descalça, apresentando-se descalça nos programas de tv. Enquanto não colocar um sapato, não creio ser possível sairem canções boas dali. E é tudo.
Eu estava cansado. De toda a correria, dos assobios, das viagens sem destino. Virei as costas, sem uma palavra, e fugi sem corrida. Desliguei o telemóvel, conduzi pelo meio da tempestade, descalcei-me ao entrar em casa, tomei um longo banho de sais, vesti o meu pijama de seda, coloquei um filme qualquer com a Marlene Dietrich no leitor de DVD e afundei-me no sofá, bebendo o meu earl grey. Levantei o queixo bem alto, com a certeza de que nada mais voltaria a derrubar-me. Marlene Dietrich era eu.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Não perdi tempo, e agi. Sou esperta, ágil. Magra e esguia, como uma gazela. Fabulosa. A rainha da savana.
Olhava-me ao espelho agora há pouco. (Tirei uma soneca durante a tarde - estou com os cabelos naturalmente espetados e o rosto um pouco avermelhado de ter dormido contra o travesseiro.) Nada faz melhor ao espírito que uma bela tarde de sono. Sinto-me sexy.
A esta hora a minha amiga está lá, sozinha com o rapaz, e eu aqui, a pensar no que estará a acontecer.
Ontem ela pediu-me umas dicas. Eu disse:
- Amiga, o que deves fazer é vestir uma blusinha que dê visibilidade aos teus peitos. Como a Martine Carol, no Lola Montés.
Por acaso já visteo filme? É impossível deixar de olhar para os peitos da Martine, daí que fico com a sensação de que os peitos de uma mulher são realmente uma arma de engate.
Já estou a imaginá-la, à minha amiga, mais o seu corpete, a deixar cair o leque e a baixar-se, após o rapaz, que, cavalheiro, apanha o leque, de modo a ficar com os peitos ao nível do seu olhar. Ele dirá:
- Mas, minha senhora, que belas formas tendes.
Então a minha amiga, inteligente e insinuante, perguntar-lhe-á:
- Vós conheceis a sinestesia?
E, perante a expressão de ignorância própria de um rapaz belo, explicar-lhe-á que a sinestesia não existe, e que o que ele tem a fazer, se quiser sentir uns peitos de mulher da forma como uns peitos de mulher devem ser sentidos, é cobri-los com as suas mãos, e depois com a língua, e depois com todo o seu corpo.
E eu por fim lhe disse:
- Agora não tem mais jeito. Já tentamos de tudo. Ou melhor, você tentou, porque eu nunca tentei nada, sempre estive apaixonado, enfeitiçado, o nome que for preferível dar a esta peste...
E então ele foi embora. Eu pensei que fosse morrer naquela noite, mas nada aconteceu. Não fui fulminado pela tristeza, não passei meses a fio chorando. No outro dia, cortei os cabelos, comprei um novo caderno. Na volta para casa, comprei um pacote de macarrão e um pornô qualquer numa banca de jornais.
Sonhei que a vida era um videojogo, e que eu era a Joan Crawford. Como conviria, toda eu era olhos e lábios e gritos em voz grave e arrogante. Jantávamos, eu, a minha filha e o seu namorado, com quem casaria proximamente. O meu objectivo final, enquanto heroína do videojogo, era, naturalmente, destruir a minha filha, ou seja, matá-la, de preferência antes do casamento.
Durante o jantar, comecei a disparatar, por razão nenhuma em especial. Gritei, gritei, ofendi-a, deixei-a de rastos, ela levantou-se e fugiu, chorando. O namorado disse-me qualquer coisa que já não recordo. Levantei-me, decidida, com o intuito de sair, procurando a minha filha, e enfim matá-la, mas lembro-me de pensar, nesse momento preciso, que preferiria que o namorado dela me aniquilasse já ali, de forma a haver então um game over.
Sonho herege!
Acordei com uma erecção danada.
Aos onze anos, fiz uma viagem com meus pais a uma praia distante da cidade. Lembro-me da chegada à recepção do hotel: dois homens de sunga, de cabelos molhados, exalando juventude e vigor. Que coxas. Lembro-me de ter querido que me arrastassem para seu quarto, que me revelassem segredos milenares, que enfim fizessem minha infância valer.

Aos treze, era impossível para mim controlar uma ereção durante a semana de jogos no colegial. Masturbava-me ao fim de cada partida no banheiro do colégio, colecionava fotos de jogadores de vôlei.
Eu estava perdido, quando apareceu um homem encapuçado, que me estendeu a mão. O meu primeiro impulso teria sido dar-lhe a mão, deixar que me levasse, que me construísse um caminho, que eu seguiria, cego, unicamente com a roupa que trazia no corpo, despido de todo o resto, físico ou metafísico. Mas pensei, e disse:
- Não, que eu não dou a mão a qualquer um!
Quem era este homem? Perguntei-lhe, não me respondeu. Fiquei possesso, disse:
- Prefiro andar perdido, a andar às costas de um homem que não conheço.
Então uma voz vinda de algum ponto longínquo disse:
- Por mais que queiras acreditar que sim, jamais encontrarás um homem que conheças.
E tinha razão. Meti-me logo às cavalitas do homem encapuçado, apalpei-lhe os músculos notáveis das maminhas - aqui estava um homem que valia a pena seguir - e esperei que me levasse para um local com flores.

+


=


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Não gosto do All about Eve porque a Bette Davis passa o filme inteiro com aquela cara de quem não tem sexo há 15 anos. Torna a visualização do filme muito desagradável.

Só não olhei e disse

Nossa, qui chiqui!

porque ainda não consegui começar a reagir às coisas em português do Brasil.
Meus planos para 2010. Voltar a correr e a fazer musculação, todos os dias, e recuperar a curva das costas e do peito. Jogar vôlei. Comprar shorts para correr. Baixar e ver todos os BelAmi's que eu não vi. Masturbar-me, no mínimo, uma vez por dia. Cortar os pêlos do peito e barriga ao menos uma vez por mês. Manter a marca de sunga. Beber muita água de coco. Não comer carne vermelha. Ter um amor-para-a-vida-inteira que dure no máximo duas semanas. Beber menos destilados e mais cerveja. Usar drogas. Evitar grandes aglomerados. Dirigir mais devagar. Ignorar sentimentos-chavões femininos: inveja, vingança. Não dormir antes da 1 da manhã. Esquecer ocasionalmente o celular em casa.
A minha amiga disse-me que a colega dela anda a trair o namorado com outro colega da sua turma. Fiquei passado. O quê?, disse eu, como é possível ela trair o namorado com aquele meia-leca, que não tem onde cair morto? Ela explicou-me que a colega estava farta, porque o namorado não lhe dava exactamente o que ela queria receber. Perguntei-me o que quereria ela receber, mas não há jeito de descobri-lo, já que na verdade não conheço a colega da minha amiga, e seria desagradável dirigir-me a uma desconhecida para lhe perguntar o porquê de andar a trair o namorado com um colega, que por acaso é colega da minha amiga. Terá a ver com uma questão de amor? Será possível amar um meia-leca? Será, contra todas as probabilidades (porque falamos de seres humanos), matéria que tenha a ver com sentimentos? Com o termo sentimentos ecoando na minha mente
Flash!
Lembrei-me logo da nova telenovela da TVI. Ah, Pedro Lamares, como és belo. Quem precisaria de sentimentos, se tivesse um homem assim?
As minhas amigas enchem a minha pasta dos ficheiros recebidos com fotografias de homens. O amigo que a Antónia queria mamar; o colega da Joana, que encontrou no seu Myspace, e de lá sacou esta sua foto, com o calção de banho, cobrindo as vergonhas, e os pelinhos ralos no peito; o ex-namorado da Maria, na brincadeira com os seus másculos e fedorentos compinchas.
Abro a pasta dos ficheiros recebidos com o intuito de distribuir os ficheiros avulsos pelas restantes gavetas do meu organizado disco rígido, mas às tantas já perdi a noção do que ali me levou.
Escrevo este post apenas para dizer que as minhas amigas têm muito bom gosto.
Só para que conste no nosso book, os outros possíveis títulos eram: O Grande Striptease, As Belas Vitrines, Disque D para Dissimular.
Por falar em rosto, este blog afinal está pronto. "Faça-se a luz", dissemos, e a luz era neón.
To bring you my love: um cd bicha. O minotauro faz um pacto com o mundo inferior para que seu amado venha e lhe destroçe os intestinos de vez. Nessa versão, o terrível monstro possui uma filha, que vai oferecer como sacrifício para que seu amante o encontre. Goodnight, Irene. A última faixa, The Dancer, inteiramente dedicada a Teseu. PJ Harvey é um travesti.
Quando me levantei, hoje, a primeira coisa que fiz foi aplicar corretivo às minhas olheiras. Trata-se de uma base inteligente bege que comprei pela internet, não-oleosa, não-acnéica, anti-tristesse. Não existe algo no mundo com conteúdo: somos todos rostos, personas, cascas sem semente. E se posso convencer a todos de que sempre tenho belas noites de sono, o que posso dizer é que de fato as tive.
Minotauro e Teseu.

A verdadeira lenda do minotauro. Astérion era uma solitária femme fatale a desfilar dias e noites pelas passarelas de sua casa. Sua inclinação para a crueldade era nata, involuntária, sua performance era inconsciente - deixava-se amar por cada guerreiro que lhe concedia uma visita. Os dias e as noites são longos, e portanto deixava-se amar. Os corpos dos amantes, já mortos, espumavam de paixão como bacantes pelo chão dos corredores. Os homens de toda a Grécia vinham amá-lo, querido que era o nosso monstro. E o minotauro libertava a todos de qualquer mal. Distraía-se durante a rápida cerimônia de amor, e depois punha-se novamente aos desfiles pelo longo labirinto. Se pudesse verbalizar, inarticulado que era, o mundo não suportaria as palavras de sua solidão; se pudesse rezar, imploraria aos céus uma morte que lhe justificasse a vida. Como não o sabia, desfilava pelos corredores.

O corpo de Teseu era forte, tinha a pele bronzeada como ouro e portava uma cicatriz no peito. Quando veio ao labirinto, algo de divino repousava em seu semblante. Antes, havia caminhado por desertos, mares, montanhas. Afinal, encontrou-se com o nosso monstro, e amou-o como ninguém. E o minotauro, fechando os olhos para a terna solidão do mundo, mergulhou apaixonado no chão, a lança cruzando seu ventre. E do sangue que escorria alimentaram-se os homens e deuses de toda a Hélade, enlouquecidos.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Oh yessssssssssssssssss
Com a barba por fazer, as unhas imensas por cortar, agarro com razoável força o mesmo travesseiro de algodão anti-alérgico por longas e desgraçadas noites, a mão única da mãe sobre a minha testa suada, agora desperto de uma ressaca que parece ter me levado anos. Mesmo assim, consigo acordar, e mesmo assim me levanto e vou ao banheiro, tomo um banho e aplico o shampoo anti-caspas que custou sessenta e quatro reais e vinte e cinco centavos, o único que funciona e que possui a essência de hortelã que impede que eu enfim arranhe o couro cabeludo como um gato com as garras presas a uma almofada, e começo mesmo assim a traçar os milhares eventos de RPG a cumprir-se em um só dia, logo hoje que o nosso herói está insone, irritadiço, com a barba por fazer e as unhas por cortar. Que homem poderia ter sido, que sonetos poderia ter escrito. Sorrio, pela janela, para o movimento das ruas e mesmo assim anseio por mais nada que um pescoço no qual possa afundar as mãos até que perca completamente a respiração, o mal enfim, o amor enfim, qualquer obsessão que valha o passar dos dias e das horas.

Mesmo assim, ponho um jeans, um sapato qualquer que valha a minha tristeza, uma camisa branca, guardo cadernos, estojo e livros - Medéia, algum John Ashbery - na bolsa, visto a bolsa, e mesmo assim me olho uma última vez ao espelho. Ponho duas gotas de Chanel Nº5 atrás de cada orelha e no pulso esquerdo e me preparo para o que vão ser doze horas de dissimulação, doze horas de catalogação dos hábitos imbecis dos simples, doze horas a mais de espera por calma. E, mesmo assim, relembro os já antigos anos de perversão - a paixão, o velho espinho - um passado que já escorrega pelos dedos como cartas de baralho. Muitas vezes dou um riso inesperado, no mais escuro da noite. A porta que Deus abre ninguém fecha.
"The great difference between people in this world is not between the rich and the poor or the good and the evil, the biggest of all the differences in this world is between the ones that had or have pleasure in love and those that haven't and hadn't any pleasure in love, but just watched it it with envy, sick envy. The spectators and the performers."

(Tennessee Williams)

"He went. He tried. The right doors woudn't open, and so he went in the wrong ones."

(Tennessee Williams)