quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Aprendi hoje. Quem consegue passar três dias sem falar com alguém, consegue seis. E assim por diante.
Meu ano de 2010 começou no dia 18 de dezembro de 2009, quando eu vi cores que não conhecia graças a um papel de ácido lisérgico. Eu estava dentro de um aquário enorme, até que uma mão me puxou para fora e os feixes imensos de cores vieram até mim. Todos os sorrisos do mundo vieram até mim. Quando voltei à sobriedade, vi um rapaz simpático com um rosto parecido com o meu, exceto pela expressão de cansaço e o gosto pelo fracasso. Cumprimentei-o como se cumprimenta a um novo amigo, e apresentei-lhe meu quarto e a cama que dividiria comigo pelo resto de nossa existência. Ajudou-me a encaixotar alguns livros, discos e o resto de minhas memórias, junto com o meu antigo e cansado rosto. Depois, pintamos juntos as paredes do quarto com as cores que ignorei por tantos anos.

Este é o ano em que tudo vai acontecer.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Hoje tomei banho de mar com minha nova sunga branca com estampa de flores azuis. Mergulhei, nadei e saí da água com os raios do pôr-do-sol refletindo na minha pele molhada e bronzeada. Me senti sexy.
Sei que é a mim que procuras, nessa tua garrafa de vodca.
Não o via há semanas e, dependesse de mim, continuaria sem vê-lo, mas o acaso pôs-nos frente a frente. Trocámos olás, colocámos as questões que a boa educação exige, despedimo-nos. Desejou-me um bom ano de 2010. Então, olhei-o bem nos olhos, profundamente, passaram 15 segundos, e virei-lhe as costas, após resolver não dizer nada. O que se passa é que não preciso de gritar ao mundo que o meu 2010 será óptimo, menos ainda a ele. Por outro lado, também não lhe desejo um bom ano de 2010, e naquele dia em particular não me apetecia mentir, muito menos ser desagradável (estava um dia de chuva tão lindo). O silêncio foi a melhor opção. Se nunca mais o vir, sei que, de mim, guardará na memória o meu intenso olhar, a violentá-lo - impiedoso - durante aqueles 15 segundos que, para si, deverão ter durado uma eternidade. Quanto a mim, sei que daqui a um ano, se me perguntarem, não saberei de quem se trata.
Beija-me o rabo gôdo.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Não sei bem identificar o momento a partir do qual tudo mudou. Lembro-me apenas de inspirar bem fundo, e continuar. Talvez nada tenha mudado, pensava. E a verdade é que sempre tínhamos vivido a mesma relação de contornos mal definidos, mais plena de mentiras que de mal-entendidos. E era assim que queríamos vive-la, porque - sabiamo-lo - era a única forma.
Quando nos atirávamos ao chão, gritando, era num comum acordo, não-verbalizável, de que tudo não passava de um jogo. Jogávamos constantemente, inventando e reinventando regras. Não havia limites. Os limites estavam para além dos limites da realidade na qual nos movíamos. E como nos movíamos! Não havia estático no nosso vocabulário. Viver era correr permanentemente, sem rumo, escolhendo os respectivos caminhos de modo a podermos cruzarmo-nos aqui e ali. Eram os melhores momentos, esses em que nos encontrávamos, em que chocávamos e caíamos, por vezes um para cada lado, por vezes juntos, em abraço.

O meu amor morreu. Com ele, o meu drama preferido. Agora, vida é poesia. Estou só, e nunca gostei de lírica. O meu negócio foi sempre a dramaturgia e, por isto, sinto-me peixe fora de água, à espera da bondade de um qualquer estranho. O meu one man show não está completo, se só eu existo no palco.
Kissing and telling.
He says he doesn’t feel like working today.
It’s just as well. Here in the shade
Behind the house, protected from street noises,
One can go over all kinds of old feeling,
Throw some away, keep others.
The wordplay
Between us gets very intense when there are
Fewer feelings around to confuse things.
Another go-round? No, but the last things
You always find to say are charming, and rescue me
Before the night does. We are afloat
On our dreams as on a barge made of ice,
Shot through with questions and fissures of starlight
That keep us awake, thinking about the dreams
As they are happening. Some occurrence. You said it.

I said it but I can hide it. But I choose not to.
Thank you. You are a very pleasant person.
Thank you. You are too.

(My Erotic Double, John Ashbery)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O corpo de André possui três pontos sensíveis: um na nuca, outro na barriga e outro na virilha. Quando os toco com meus polegares, o que tenho diante de mim não é apenas um homem gemendo, mas um frango pronto para o abate.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O Rodrigo morreu. Cantemos um Ich bin die fesche Lola em sua memória.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Ontem deixei escapar um sorriso em circunstâncias em que me necessitava duro e esfíngico. Naturalmente incomodado, acabei por remediar o assunto: trinta segundos depois, caía-me uma lágrima. Desta forma, ninguém ousou adivinhar o que sentia verdadeiramente. O meu dia foi salvo.
Olhei para trás e apercebi-me de que aquelas pessoas ao longe eram apenas pontinhos minúsculos. Pontinhos minúsculos no Passado. Fiquei passado. Pensei: "como farei, a partir de agora? Com que botões me coserei?" E com o surgimento do verbo "coser" na minha mente, o caminho iluminou-se-me. Eu seria então, mais do que nunca antes, uma boneca de trapos em permanente recriação. Quem me fazia? Nunca eu, mas os outros, os hipotéticos outros que aparecessem na minha vida. Eu seria apenas um supervisor. De resto, passaria a ser como a Blanche Dubois, e a depender dos outros. Da bondade, mas também - ou essencialmente - da crueldade. Senti-me finalmente inteiro. Não voltei a olhar para trás durante muito tempo. Quando voltei a olhar, os pontinhos minúsculos haviam desaparecido. Já não havia nada. Era eu e uma tabula rasa.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A caixa de uma diva é o total oposto da caixa de Pandora: a única coisa que lá ficou dentro foi a esperança.
Depois de uma bela noite de sono e de acordar com a pele maravilhosa, ok. Mentira. Nada como seguidas vinte e quatro horas sem dormir e olheiras imensas, só posso dizer que amanhã, sim, amanhã será um grande dia. Ok.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Estava tudo de pantanas, e eu chorava, num pranto. Pensava não aguentar mais, quando me lembrei: «Espera lá, que tenho um casaco novo!» Fui buscá-lo ao armário, vesti-o mesmo por cima do pijama, e coloquei uma musiquinha. Estava finalmente tudo bem.
Então eu disse: «Não, não é este o último adeus», mas ele insistiu que seria. «Tudo bem», fingi desistir. Saí de cena mais uma vez, como em tantas outras. Uma semana e dois dias depois, ele bateu à minha porta, e lá fora chovia. Abri, e ele disse, mais uma vez, «não consigo viver sem ti». Pedi-lhe que esperasse um momento. Voltei para dentro de casa - ele, o ensopado, prostrado na entrada - e voltei passado um minuto com um DVD, que coloquei nas suas mãos. Na capa lia-se «a orgia dos twinks safadinhos». Disse-lhe então adeus, fechei a porta. Senti a adrenalina da vingança preenchendo-me, irradiando desde um centro que era o sorriso nos meus lábios.
"Everyone's solitude (and resulting promiscuity)
perfumed the byways of villages we had thought civilized."


(John Ashbery)
(Eu, final de semana em Cancún, 1961)
Você insiste, ele diz. Você vai, ele diz. Você se faz de frágil, mas é tudo teatro, ele não pára. E ensaiou no meu ouvido palavras exaltadas, chamou-me de vingativo, cruel, inconseqüente. E eu dizia para mim que só queria de volta a paz que ele havia roubado de todas as esquinas da cidade. Eu estava destruído, mas não há quem diga que não estava cheiroso. Ele prosseguiu com a gritaria e eu continuei seguindo, rumo à sala de embarque.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Preciso de um homem que me toque e sinta os fabulosos tecidos das minhas roupas novas, que me abrace, dizendo «mas, Adriano, como é fofinha esta tua camisola!», e depois ma tire com jeitinho, para não alargar a gola, e a dobre bem dobradinha, antes de a arrumar na cadeira. E enquanto tudo isso se passa, eu, o glorioso, o amado, a olhar-me no espelho.
Conselhos de elegância para garotos de bom gosto.

1. Não existe meio-termo para a tristeza ou para a euforia, mas certamente existe um meio-termo para a expressão no rosto, que deve ser mantido sempre que possível.
2. A vulgaridade contamina pelo ar.
3. Se você se olha todos os dias no espelho e se sente feio, talvez o espelho esteja falando a verdade. Apesar disso, lembre-se de que você, mesmo assim, desceria no Belmondo.
4. O mundo não é um lugar onde você vai se sentir em casa, o mundo é apenas um lugar onde você vai se divertir como dá.
5. Não se sinta mal em ser paranóico. Pode parecer que não, mas o mundo é mais belo à vista do paranóico do que à vista dos personagens fofinhos do Frank Capra.
6. Existe uma mulher dentro de cada homem. Descubra a sua, pegue suas roupas e depois enterre-a viva.
7. Aprenda a perder algo todos os dias.
8. O melodrama, por ser uma versão exagerada do mundo real, acaba por tornar o mundo real um lugar mais interessante e deve ser incentivado.
9. Quando estiver triste, lembre-se sempre daquele bonitão dos tempos de colégio que hoje em dia está gordo, careca e casado.
10. Praticar o cinismo, fazer o mal, arrepender-se, perder a postura: uma ordem simpática.
11. Não se entristeça com a imbecilidade dos ex-namorados. Pense sempre que o mundo a que pertencem é um palco de estupidez, e que afinal merecem o mundo a que pertencem.
12. Manter a postura é importante. Porém, em meio a situações insustentáveis, a elegância pode estar em atitudes drásticas: quebrar copos, arremessar talheres, fazer escândalos e puxar o cabelo alheio.
13. Alimente a pena, quando convir. Alimente o ódio, quando convir. A paixão, quando convir. O mundo é uma questão de conveniência.
14. Aprenda a confiar em desconhecidos.
15. Repita dez vezes por dia o quanto o mundo é um lugar insensato, intragável e com filas imensas para o cabeleireiro. Preparar-se para o pior antes de abrir a porta é a melhor forma de prevenção.
16. "All my life is just despair / but I don't care" são versinhos simpáticos e podem ser repetidos ou anotados durante classes enfadonhas.
17. Se você tem talento para a perversão, invista. Seu destino é triste, porém nobre.
18. O prazer com que um homem relembra seu passado é similar ao prazer de cheirar os próprios gases.
19. A única coisa realmente importante no mundo é a alegria.
20. Nunca se esqueça: mãe é mãe.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Se uma diva não tiver a habilidade de cometer os seus erros de forma elegante, não passará então de uma bicha pindérica.
«Não vale a pena», disse eu, «que não vou ficar nem mais um minuto.» Peguei nas minhas coisas e abalei, como tantas vezes tinha abalado antes. Ele veio atrás de mim, gritando e esbracejando. Na rua, quando notei que todos nos olhavam, ensaiei um passo mais lento e comedido, mas então ele chegou até mim e agarrou-me. Olhei para os chinelos nos seus pés - não tinha tido a decência de calçar uns sapatos. Revirei os olhos, disse «larga-me. Não há nada mais, que valha a pena ser dito.» Não ouvi o que ele dizia. Via apenas a boca dele, ocupada em movimentações sem sentido. Era tudo em câmara lenta: a boca, os braços, os transeuntes, todo eu. Foram momentos gloriosos, de uma beleza rara. Os dedos da minha mão acariciando o meu cabelo lustroso, um leve jeito do pescoço, os piscares de olhos, que se prolongavam no infinito. Que olhos, que íris, que pestanas!
Custa, ser diva e não poder fingir orgasmos.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

(Eu, primavera em Los Angeles, meados da década de 50)
Na casa onde vivo, existem treze suítes, duas salas de jantar, uma enorme piscina, uma garagem para uma dúzia de carros, um hall de entrada revestido de espelhos. E no meio de tudo, eu, secando meu rosto com uma delicada toalha branca e percorrendo sozinho os corredores sem fim.
Ele afinal me ama. O mundo é meu. As árvores são minhas. Criei todo o universo, todos os labirintos e escrevi por fim todas as cartas de amor.
E eu lhe disse:
- Também não assimilo o quanto desejei o seu corpo por todos esses anos. E o quanto continuo desejando, mesmo com todas essas madrugadas em claro e os nossos corpos juntos, suados. Mas a verdade é que eu ardo como uma batata frita por você. Vai ver essa é a forma mais sincera de amor.
O domingo amanhecia, e eu sorria sonolento. Eram cinco horas da manhã. Então olhei para a janela e percebi que ele havia dormido.
Meu amigo tem uma boca de provocar o suicídio em legiões. Seu rosto é minha nova obsessão, e eu não sei o que fazer a respeito, nem o que faria sem ele por perto, e eu sei que vamos nos casar na igreja. Ele não usa perfume, mas tem cheiro de rosas. Se eu pudesse, abraçaria meu amigo agora com todas as forças e o levaria até o fim do arco-íris, onde ouviríamos passarinhos cantar e comeríamos sanduíches feitos pela minha mãe. Meu próximo plano é fundir nossos corações em um só e conseguir um apartamento confortável, onde passaríamos dia e noite beijando os corpos um do outro e jogando videogame.
Ele caminhou por cima de mim, com seus sapatos de couro. Esmagava meu nariz, com o bico do sapato desfazia meus intestinos. E eu falava baixo, mas o mais claro que podia, o quanto eu o amava, o quanto não podia viver sem ele.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Seria inconsequente contar aqui como foi o meu sonho, na noite passada. Interessa apenas saber que, quando subi o estore, olhei pela janela e o dia sorriu-me. O meu sonho não tinha sido, afinal, um erro de percurso. Ao olhar para o mundo real, húmido e esperançoso, após mais uma noite de chuva, pensei: hoje farei como o meu amigo Rodrigo - estrearei - porque este é mesmo o melhor palco, e eu o melhor actor.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009




Louis Garrel, uma pessoa com acne.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

«"Meu caro Gerald", respondi, "Lady Alroy era simplesmente uma mulher com a mania do mistério. Utilizava os quartos indo para lá, velada, apenas por mero prazer, imaginando que era uma heroína. Tinha uma enorme paixão pelo secretismo; era, contudo uma esfinge sem segredos."»

Oscar Wilde, em A esfinge sem segredos.
Do Manual De Instruções Para Ser Diva Séria E Decente. Ganhava a consciência de que vivia uma mentira. O problema desta afirmação, dirá o incauto, reside no «viver uma mentira», mas está errado. O problema reside no «ganhar a consciência».
Quando vives uma mentira, ela é a tua verdade. A consciência destrói os sonhos, as pessoas e o mundo, porque o mundo é um palco, e demasiada consciência transforma o palco que é o mundo num sub-produto pós-moderno pretensioso e chato, e aí, ao contrário do que se possa pensar, estamos menos próximos da verdade, porque a verdade está sempre na mentira, na ilusão, porque é ela que nos alimenta, e não a razão ou outra coisa qualquer.
Se alguém te disser o contrário, é vil e mente-te.